Dor. Dói tudo
Doem os corpos que caem alvejados
E as crianças na rua vagando sem rumo
Doem todos aqueles sonhos abortados.
Dói ver as portas e as janelas cerradas
As grades de ferro cercando os muros
O medo estampado covardia nas caras
Doem todos aqueles gritos mudos.
Dói o câncer, a sífilis
E sua legião de enfermos
Dói a AIDS, a pneumonia, a hepatite
E as coisas que ainda não sabemos.
Dói a fome, a sede
Pior, tem comida, tem água sobrando
Dói a desnutrição e suas crias
Esqueletos humanos, crianças apáticas agonizando.
Dói a estupidez de mais uma guerra
Já foram tantas e outras mais diferentes
Dói ver o descolorido flagrante de nossa época
Pior, como dói saber que poderia ter sido diferente.
Doem todas as nossas misérias históricas
As desigualdades seculares e hipócritas
Dói o preconceito, a violência e o racismo
Dói não olhar o que é preciso ser visto.
Doem na pele as mentiras que engolimos
E todas as falsidades que alimentamos
Dói perceber que nunca fomos mais do que isso
E saber que assim jamais seremos diferentes do que somos.
A dor é profunda e às vezes dá vontade de parar
Mas a roda viva continua a todo vapor a girar e girar
Então, apesar dos males e das tristezas é preciso acreditar
Que, mesmo que tudo diga o contrário, é possível mudar.
E se a dor for ainda mais pungente e mordaz
Que nossos desejos de transformar a vida
Então é que num momento simples e fugaz
A gente pode descobrir que ela é mesmo bonita e bonita.
E como as águas da chuva que caem no chão
Ou as nuvens que passam velozes no céu distante
A vida corre depressa, e não espera não
É preciso saber fazer valer a pena cada instante.
Pode até doer as tristezas, mas sempre haverá alegrias
E motivos pra continuar firme caminhando e acreditando
Pois apesar de todas estas dores não quero anestesias
Prefiro de olhos abertos e pés no chão, continuar sonhando.
* Poesia escrita para a qualificação da dissertação "Não dá pé. Não tem pé nem cabeça. Não tem ninguém que mereça. Não tem coração que esqueça": a "chacina do PAN" e a produção de vidas descartáveis na cidade do Rio de Janeiro.
Em 27 de julho de 2007 o Conjunto de Favelas do Complexo do Alemão, Rio de Janeiro, foi palco de uma mega-operação policial que contou com mais de 1.000 policias e que apreendeu 14 armas e matou 19 pessoas. Inúmeros relatórios e entidades, movimentos sociais e pensadores denunciaram a violência da operação, acusando a polícia de protagonizar um verdadeiro massacre contra a população do Complexo do Alemão. a "chacina do PAN", é um acontecimento fundamental para pensarmos quanto a vidas das populações pobres da cidade do Rio de Janeiro se transformam em vidas descartáveis contras as quais qualquer tipo de atrocidade não é considerada crime.
Hoje faz dois anos que a população do Complexo do Alemão foi atingida pela força policial, mas quantos outros tantos massacres não ocorreram desde aquela data? quantos ainda não irão acontecer?
6 comentários:
José! Estava sentindo falta dos seus posts, bom ter suas opiniões novamente por aqui.
Bela e triste poesia, mas assino em baixo na sua conclusão de renegar as anestesias e "de olhos abertos e pés no chão, continuar sonhando".
Melhor a dura realidade que a ilusão de viver num conto de fadas.
E essa dura realidade está aí, nas chacinas, no descaso social que não parte só das autoridades e do aparato estatal, mas também da própria sociedade.
Bjos!
doeu-me a consciencia, e me fez acordar para a vida sem deixa de sonhar!
adoraria q vc visitesse meu blog tbm
Muito bom Ernani, muito bom mesmo!
abraços
ando com essa dor nos olhos.
saudade de vir por aqui..
(tens twiter?)
;*
também senti falta de seus poemas... mas como sempre, você consegue se expressar de uma forma única! Por fim, como ouvi certa vez um médico dizer, só sente dor quem está vivo!
bj.
Por um bom acaso digital encontrei o experimentandoversos ... um blog de escrita fina q faz o leitor refletir a respeito do eu e principalmente a respeito do mundo em seu entorno ...parabéns ao escritor por compartilhar sua escrita e seus sonhos (André Carneiro) Historiasolidaria.blogspot.com
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