3 de julho de 2008

Quem matou dona Ética ?


Era uma manhã de quinta-feira chuvosa e todos, sem distinção de raça, cor, credo, opção sexual, se perguntavam, incrédulos a respeito do ocorrido, quem teria assassinado dona Ética. Mulher de pulso forte e índole bravia, amada por uns e detestada por outros. Todavia, todos reconheciam o seu papel fundamental na construção da Cidade e de seu desenvolvimento. Ela, por meio de um trabalho árduo e sem descanso, fazia com que cada cidadão refletisse e se implicasse com as suas atitudes; levando cada sujeito a questionar-se a si mesmo em suas ações mais cotidianas e a respeitarem-se uns ao outros através do bom exercício da sociabilidade. Ao decretar luto nacional pelo falecimento de tão digna figura, o presidente da república, não contendo os fortes sentimentos, desfez-se em lágrimas no momento em que pronunciava em rede nacional a suas dores pelo óbito de dona Ética. Desde então, um nevoeiro passou a encobrir a Cidade e, apesar das lâmpadas acesas nos postes, das lanternas dos carros nas estradas, das luminárias nas varandas das casas, tornou-se difícil discernir os contornos das ruas e esquinas; saber qual caminho seguir e, sobretudo, como caminhar. Confusas, muitas pessoas sequer ousaram sair às ruas, preferindo a suposta segurança de seus lares; ficando no aconchego familiar de seus quartos e moradias. Logo, homens e mulheres se viam diante de inúmeros impasses e questões que, sem a dona Ética, se mostravam irresolúveis, indiscerníveis.
......Depois de uma semana de intenso nevoeiro, o mesmo se dissipou e o sol voltou a reinar soberano no céu azul e claro. Todos saíram de suas residências a comemorar. A vida aparentava voltar ao seu estado normal e, até por isso, no primeiro dia de luz e calor a população se levantou numa eufórica alegria festejando seus cantos num carnaval fora de época. Houve desfiles de crianças nas ruas do centro; pronunciamentos de autoridades; sendo que o presidente, desta vez, em seu comunicado à nação, conteve as lágrimas, e apenas se limitou a sorrir e pronunciar palavras de sincera felicidade pelo destino do progresso da Cidade.
......Por outro lado, a paz voltava às ruas, mas a população exigia das autoridades um culpado, ou melhor, queriam que o responsável pelo assassinato de dona Ética fosse capturado, julgado e encarcerado na mais longínqua cela da mais escondida e distante prisão. Claro que os cidadãos de animo exaltados logo exigiram que o culpado, quando apanhado, fosse submetido aos mais terríveis e indescritíveis castigos, comparando-se, em crueldade e selvageria, aos suplícios medievais. O criminoso deveria ser morto, defendiam uns. O covarde deveria ser preso para sempre, advogavam outros. Porém, apesar da pressão dos meios de comunicação, da população e do próprio governo, as equipes da policia não encontraram pistas que pudessem levar ao esconderijo do assassino de Dona Ética.
......Transcorrido um ano da morte de dona Ética, a população da Cidade sucumbia a olhos vistos numa selvageria irrefletida, arrastando os mesmos numa loucura nunca antes vista. Sem a presença insubstituível da Ética, as pessoas entraram em luta umas contra as outras, fazendo explodir uma verdadeira guerra e transformando cada esquina, praça, casa, num campo de combate. Fora à violência das lutas travadas e de seus efeitos trágicos, um grande problema se colocava aos combates: como discernir quem era aliado e quem era inimigo? Logo, diante da impossibilidade flagrante de se estabelecerem regras para o pleno exercício da guerra, está desdobrou-se numa enorme confusão e a população extinguiu-se. Os últimos habitantes da Cidade que ainda estavam vivos e guardavam um pouco de lucidez, puderam ouvir das equipes investigativas do governo federal que dona Ética não havia sido assassinada, mas antes, ela teria se matado devido uma depressão que sofria e que se agravara nos últimos meses que antecederam a seu falecimento. A policia não prendeu nenhum dos culpados apontados pela investigação que teriam sido responsáveis pela intensificação do quadro depressivo da Ética, pois os mesmos haviam, como queriam os mais exaltados cidadãos, sucumbido nas entranhas de um suplicio coletivo de proporções trágicas. Sem a nobre dona Ética, não apenas o convívio e as relações sociais da Cidade foram abalados, mas também, a própria existência de toda população.

4 comentários:

Unknown disse...

GARIMPO VIRTAL DE NOVOS BLOGS E ESPAÇOS INTERESSANTES:

1. REVISTA "COM CIENCIA" - REVISTA ELETRONICA QUE EM SUA NOVA EDIÇÃO TRAZ REPORTAGENS, ARTIGOS E ENTREVISTAS SOBRE O TEMA DO "CONSUMISMO". O SITE É: http://comciencia.br/comciencia

2. OBSERVATORIO DA INDUSTRIA CULTURAL - PROJETO DESENVOLVIDSO NA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE (UFF)POR UM GRUPO DE PESQUISADORES QUE DISCUTEM A QUESTÃO DA CULTURA A PARTIR DE UMA PERSPECTIVA NÃO HEGEMONICA. O SITE É:http://oicult.blogspot.com/


3. MAKING OFF - ÓTIMO PORTAL PARA QUEM GOSTA DO CINEMA ENQUANTO OBRA DE ARTE. O SITE TRAZ RESENHAS, SINOPSES, ARTIGOS SOBRE FILMES E MUITO MAIS. O SITE É: http://www.makingoff.org/forum/

douglas D. disse...

belos experimentos.

Cinthia Paes disse...

Oi, Josééé! Adorei seu comentário no blog. Não se preocupe quanto a extensão do comentário, é sempre bom saber as diferentes opiniões das pessoas sobre assuntos tão polêmicos quanto aquele.
Sobre o seu conto, achei muito interessante. Legal você ter abordado esse tema! Infelizmente a Ética praticamente é inexistente no mundo em que vivemos. Aliás, assim como a ética, o amor, a solidariedade, a paz, a compaixão, a sinceridade, a justiça e o respeito foram deixados de lado para dar lugar ao ódio, ao desrespeito, à mentira, à violência, ao mundo de hoje! Se ninguém perceber que a solução para um mundo melhor está em nossas mãos, nada poderá ser mudado!

Beijos!
Fique a vontade para comentar lá! rs

Hospício Temporário disse...

Uau!
Desculpa pela falta de eloqüência textual, mas diante de alguns textos só me resta a mudez.
Me apaixonei pelo "Quem matou dono Ética".