10 de julho de 2011

"Tocando em frente"

O Rio de Janeiro estava estranhamente frio. Um vento gelado passeava tirano pelas ruas de Copacabana. O inverno incomum coloriu as ruas do famoso bairro carioca com cores diferentes das habituais. Eu estava com pressa e, ao mesmo tempo, cantarolava “ando devagar porque já tive pressa...” Como se ao evocar a canção de Almir Sater e Ricardo Teixeira (“Tocando em frente”) eu pudesse, como num toque de mágica, tirar de seus acordes, versos e de sua melodia a sabedoria da serenidade de quem sabe que “muito pouco sei, (quase) nada sei”. Andava e meus passos se contradiziam com a cadência tranqüila do ritmo da canção que naquela tarde eu tanto pensava: “é preciso amor para poder pulsar, é preciso paz para poder sorrir, é preciso chuva para florir”. No entanto, eu não podia me atrasar, pois tinha um compromisso e já estava, naquela altura de minha distração, realmente atrasado. Ainda faltavam algumas ruas! Seguia veloz pela Barata Ribeiro quando, ao cruzar um sinal, encontrei-me com uma senhora. Ela estava sentada no chão com as costas apoiadas na parede de um muro. Em seu colo havia uma criança que de tão pequena não devia ter mais do que apenas dois anos. O aspecto de ambos era de extrema pobreza e miséria material. A mulher estava vestida com uma roupa surrada e trazia um lenço amarrado nos cabelos desgrenhados. Diante daquelas pessoas que passavam apressadas ela estendia suplicante a mão e pedia, com os olhos fixos em seu interlocutor involuntário, míseros “dez centavos”. Nada mais do que isso. Ainda assim, poucos lhe davam atenção. Pelo contrário, parece que houve quem acelerasse os passos ao se deparar com a pedinte. Parei em frente a estranha e lhe dei alguns trocados. Ela agradeceu e desejou que eu fosse “com Deus”. A criança em seu colo, então, olhou para mim e abriu um sorriso espontâneo. Não havia mágoa, dor, pobreza ou miséria em seu sorriso. Apenas a beleza de uma alegria estranha e sincera. Não! A estranheza não estava na criança, mas naquele quadro que diariamente se pintava – e se pinta – nas ruas de Copacabana e de tantas cidades pelo mundo! Um quadro no qual se misturavam, viciosamente, a violência da miséria com a violência da indiferença. Me despedi da estranha e de sua criança e voltei a seguir meu caminho. O vento frio não me incomodava tanto quanto a angústia que, agora, me batia. Eu estava triste por aquela mãe que se via obrigada a pedir esmolas para sobreviver. Triste por viver numa sociedade que produz, em escala industrial, pobreza e espaços de exclusão e violência. Triste por nós termos nos acostumado, tão covarde e comodamente, com este estado de coisas. Mas em meio à tristeza, o sorriso daquela criança me alertava para a estupidez de deixarmos sorrisos como aqueles sucumbirem em meio à miséria nossa de cada dia. Olhei ao meu redor e vi pessoas arrumadas com roupas de marcas badaladas, carros importados, lojas “chiques”, prédios enormes etc. Tudo me pareceu tão pobre e de pouco valor perto daquele sorriso. Neste momento, uma senhora que andava ao meu lado percebeu a expressão de estranheza desenhada em minha face e disse como se houvesse alguma proximidade ou companheirismo implícito entre nossos pensamentos: “que absurdo estas pessoas na rua! É isso que estraga Copacabana!” Olhei para ela e, em silêncio, “toquei em frente” pela rua. Naquela tarde em Copacabana não vi nada mais belo e sincero, seja nas ruas, praias ou pessoas, do que aquele sorriso que de tão potente denuncia nossa estupidez. E como nos deixamos ficar perigosamente estúpidos.

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