6 de abril de 2009

Pequenos poemas em prosa (Charles Baudelaire)

    “Bem em frente de nós, na calçada, estava plantado um homem de bem, de uns quarenta anos, de rosto cansado, barba grisalha, tendo numa das mãos um menino e sobre o outro braço um pequeno ser ainda muito frágil para andar. Ele cumpria o papel de uma babá e trazia os seus filhos para tomar o ar da noite. Todos em farrapos. Esses três rostos estavam extremamente sérios e seus seis olhos contemplavam fixamente o novo café com igual admiração, mas, naturalmente, com as nuances devidas às idades.
   Os olhos dos pais diziam: ‘Que beleza! Que beleza! Dir-se-ia que todo o ouro do pobre mundo fora posto nestas paredes.’ Os olhos do menino: ‘Que beleza! Que beleza! Mas é uma casa onde só pode entrar pessoas que não são como nós.’ Quanto aos olhos do menor, eles estavam fascinados demais para exprimirem outra coisa senão uma alegria estúpida e profunda.
    Os cancioneiros dizem que o prazer torna a alma boa e amolece o coração. A canção tinha razão nesta noite relativamente a mim. Não somente eu estava enternecido por esta família de olhos, como me sentia envergonhado por nossos copos e nossas garrafas, maiores que nossa sede. Virei meus olhos para os seus, querido amor, para ler neles o ‘meu pensamento’; mergulhei em seus olhos tão belos e tão bizarramente doces, nos seus olhos verdes, habitados pelo Capricho e inspirados pela Lua, quando você me disse: ‘Não suporto essa gente com seus olhos arregalados como as portas das cocheiras! Será que você poderia pedir ao maître do café para afastá-los daqui?”
   É tão difícil o entendimento, meu caro anjo, e tão incomunicável é o pensamento mesmo entre as pessoas que se amam.”

Charles Baudelaire. Pequenos poemas em prosa. Record, 2006.

8 comentários:

Pripa Pontes disse...

"me sentia envergonhado por nossos copos e nossas garrafas, maiores que nossa sede."

Muito boa essa frase..e a mais pura realidade q hj vivenciamos..e interessante a maneira como o outro, o ser amado, aquele a quem creditamos nossa complementaridade ser tão alheio e contrário, por vezes, ao nosso próprio sentimento. Afinal de contas dizem que "os opostos se atraem" n é verdade?

Muito boa a crônica, é francês esse autor?

Bjos.

Unknown disse...

só pra deixar um abraço

kilder disse...

muito legal seus textos! eu vi o endereço no blog hoje no atitude.com, parabéns!

Anônimo disse...

um belo texto, sobretudo por estas últimas palavras, "É tão difícil o entendimento, meu caro anjo, e tão incomunicável é o pensamento mesmo entre as pessoas que se amam."(o mundo nos mostra isso hoje).Adoro seus comentários no meu blog.

;*

Anônimo disse...

Oi José! minha irmã me indicou teu blog, e gostei!
to linkando!;]
(tb gosto de Baudelaire)

Hilo disse...

Intercambiando. Ótimo blog meu velho... Baudelaire é o rei da alquimia interpretativo-espiritual...rsrsr...

Saca o meu... cabei de por só uns poucos... transcrevendo.

brass

Unknown disse...

Olá, José! muito legal seu blog, vir o endereço no atitude.com e não me desliguei mas! sou estudante d psicologia da Universidade federal do vale do são francisco-UNIVASF e estou precisando mesmo abrir meus horizontes e suas palavras têm sido uma fonte maravilhosa de inspiração, têm sido uma força que me mobilizar em busca de coisas melhores na net e não fika presa apenas nesses lixos que circulam pela rede.Valeu, um abraço e uma ótima semana!

Felipe Celline disse...

Consegui, depois de algum tempo procurando, o livro deste poema, o "Pequenos Poemas em Prosa".
Estou transcrevendo todos os poemas para lá, caso interesse:


http://pequenospoemasemprosa.blogspot.com/