“Bem em frente de nós, na calçada, estava plantado um homem de bem, de uns quarenta anos, de rosto cansado, barba grisalha, tendo numa das mãos um menino e sobre o outro braço um pequeno ser ainda muito frágil para andar. Ele cumpria o papel de uma babá e trazia os seus filhos para tomar o ar da noite. Todos em farrapos. Esses três rostos estavam extremamente sérios e seus seis olhos contemplavam fixamente o novo café com igual admiração, mas, naturalmente, com as nuances devidas às idades.
Os olhos dos pais diziam: ‘Que beleza! Que beleza! Dir-se-ia que todo o ouro do pobre mundo fora posto nestas paredes.’ Os olhos do menino: ‘Que beleza! Que beleza! Mas é uma casa onde só pode entrar pessoas que não são como nós.’ Quanto aos olhos do menor, eles estavam fascinados demais para exprimirem outra coisa senão uma alegria estúpida e profunda.
Os cancioneiros dizem que o prazer torna a alma boa e amolece o coração. A canção tinha razão nesta noite relativamente a mim. Não somente eu estava enternecido por esta família de olhos, como me sentia envergonhado por nossos copos e nossas garrafas, maiores que nossa sede. Virei meus olhos para os seus, querido amor, para ler neles o ‘meu pensamento’; mergulhei em seus olhos tão belos e tão bizarramente doces, nos seus olhos verdes, habitados pelo Capricho e inspirados pela Lua, quando você me disse: ‘Não suporto essa gente com seus olhos arregalados como as portas das cocheiras! Será que você poderia pedir ao maître do café para afastá-los daqui?”
É tão difícil o entendimento, meu caro anjo, e tão incomunicável é o pensamento mesmo entre as pessoas que se amam.”
Charles Baudelaire. Pequenos poemas em prosa. Record, 2006.
8 comentários:
"me sentia envergonhado por nossos copos e nossas garrafas, maiores que nossa sede."
Muito boa essa frase..e a mais pura realidade q hj vivenciamos..e interessante a maneira como o outro, o ser amado, aquele a quem creditamos nossa complementaridade ser tão alheio e contrário, por vezes, ao nosso próprio sentimento. Afinal de contas dizem que "os opostos se atraem" n é verdade?
Muito boa a crônica, é francês esse autor?
Bjos.
só pra deixar um abraço
muito legal seus textos! eu vi o endereço no blog hoje no atitude.com, parabéns!
um belo texto, sobretudo por estas últimas palavras, "É tão difícil o entendimento, meu caro anjo, e tão incomunicável é o pensamento mesmo entre as pessoas que se amam."(o mundo nos mostra isso hoje).Adoro seus comentários no meu blog.
;*
Oi José! minha irmã me indicou teu blog, e gostei!
to linkando!;]
(tb gosto de Baudelaire)
Intercambiando. Ótimo blog meu velho... Baudelaire é o rei da alquimia interpretativo-espiritual...rsrsr...
Saca o meu... cabei de por só uns poucos... transcrevendo.
brass
Olá, José! muito legal seu blog, vir o endereço no atitude.com e não me desliguei mas! sou estudante d psicologia da Universidade federal do vale do são francisco-UNIVASF e estou precisando mesmo abrir meus horizontes e suas palavras têm sido uma fonte maravilhosa de inspiração, têm sido uma força que me mobilizar em busca de coisas melhores na net e não fika presa apenas nesses lixos que circulam pela rede.Valeu, um abraço e uma ótima semana!
Consegui, depois de algum tempo procurando, o livro deste poema, o "Pequenos Poemas em Prosa".
Estou transcrevendo todos os poemas para lá, caso interesse:
http://pequenospoemasemprosa.blogspot.com/
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